O Comboio do Diabo


 Resultado de imagem para linha de cascais cp
Acabei recentemente o meu primeiro ano de faculdade. Foi uma péssima experiência, obrigado por perguntar (estou a brincar, foi cansativo, mas passou-se). Continuando, foi um ano de muitas mudanças na minha rotina. Infelizmente, uma dessas mudanças é o facto de ter passado a usar os transportes públicos com frequência. Não me interpretem mal, num mundo perfeito (ou pelo menos, num país que não Portugal) usar transportes públicos é uma excelente ideia, porque são serviços rápidos, económicos, amigos do ambiente e que satisfazem as necessidades de grande parte dos cidadãos. No entanto, caso o leitor não ande a comer gelados com a testa, já deve ter percebido que estamos a falar de Portugal.
Há muito que se lhe diga sobre o mau funcionamento destes serviços, mas queria falar de um aspeto em particular que é parcialmente irritante e parcialmente engraçado, mas antes disso preciso de contextualizar um pouco mais. Como disse anteriormente, faz quase um ano desde que sou utente de alguns serviços transportes públicos, sendo que uma das linhas que frequento é a Linha de Cascais.
Apesar de ter de partilhar o comboio com as tias de Cascais e de provavelmente isso dar origem a diversas histórias que começam com “O Bernardo não sabe o que me aconteceu no outro dia…”, a verdade é que é muito raro cruzar-me com este espécime. Contudo, costumo cruzar-me com os Srs. Picas (ou Srs. Revisores, se preferirem; “Picas” é apenas um termo mais rápido e divertido de se escrever) cerca de 99% das vezes que apanho um comboio (não estou a exagerar). Com todo o respeito pelos Srs. Picas, eu sei que estão só a fazer o seu trabalho, mas é genuinamente chato.
Confesso que ao início era fofinho. Via o Sr. Pica e pensava “Oh, onde está o meu passe para mostrar ao Sr. Pica que está apenas a verificar se as pessoas estão a cumprir com os seus deveres”. Agora vejo o Sr. Pica e penso “Filho da Puta, o cabrão do seu colega já viu de manhã que tenho a merda do passe, não estou a viajar ilegalmente, caralho. Deixe-me em paz, u fuckin’ piece o’shit!!” enquanto entrego o meu passe com um sorriso na cara (ou, pelo menos, a tentativa de um).
Eu sou aquela pessoa que se viajasse sem bilhete, pagava em multas o equivalente a duas dívidas portuguesas. Por esta altura, estaríamos todos a viver melhor do que em muitos países do norte da Europa, com serviços públicos a funcionar e tudo. Era bom, não era? Infelizmente, num cenário como esse, quem se lixava era eu, portanto eu assumo a responsabilidade de não estarmos a viver bem, já que ninguém tem coragem de o fazer. Mas, hey, ao menos o passe custa 30 ou 40 euros.
Prosseguindo, ao fim de um ano a utilizar a Linha de Cascais, os Srs. Picas ganharam um lugar no meu coração, porque já aconteceu todo o tipo de “interações” engraçadas com os Srs. Picas. Permita que me explique.
A interação clássica entre Sr. Pica e Sr. Utente é: o Sr. Utente entra no comboio, escolhe um lugar (sentado ou de pé) e passado alguns minutos o Sr. Pica entra na carruagem (caso não esteja lá previamente) e pede o bilhete.
Uma interação que acontece com frequência é: estou na estação à espera do comboio, o comboio chega, escolho uma carruagem, não avisto o Sr. Pica em lado nenhum, “escolho” um lugar de pé, pouso a minha mochila e quando olho para a frente lá está ele! Naquele nanossegundo (10 elevado a -12 segundos) em que pouso a mochila, o Sr. Pica materializa-se ou contrai o tecido do espaço-tempo naquela exata carruagem só para me pedir o bilhete.
Um outro cenário, provavelmente não tão engraçado como o anterior, começa comigo num comboio que ainda não partiu, ou seja, estou à espera de que o comboio parta. Tudo muito sossegado (para um comboio) até que chegam os segundos finais antes da partida. A contagem decrescente começa “10, 9, 8, …” semelhante àquela cena clássica dos filmes de ação em que o herói tem uma bomba na mão, dois fios, um vermelho e um azul, um que leva ao desarme da bomba e outro que a detona instantaneamente. Neste caso, o herói (quem quer que ele seja) é um palerma, visto que quando a contagem chega a “1”, o fio que corta é aquele que detona a bomba, que em termos práticos resulta numa entrada a pés juntos do Sr. Pica na carruagem em que me encontro, como é óbvio. Na minha opinião, aquilo é penálti, mas os árbitros estão todos comprados. “Lá vamos nós outra vez”, penso eu, enquanto procuro o passe na mochila para o entregar ao Sr. Pica.
Tenho imensas dúvidas acerca da existência ou não de um Deus Todo Poderoso, Criador do Nosso Universo, mas tenho a certeza de que Satanás é real e trabalha na CP. É omnipresente, porque se encontra em qualquer carruagem em que eu esteja. É omnipotente, pois tem o poder de passar multas 100 vezes mais cara que o preço do bilhete caso alguém viaje sem este. É omnisciente, visto que sabe sempre onde vou estar. Tudo isto junto, torna-o cruel. Há milhares de anos que se tenta provar a existência de Deus. Em cerca de um ano, provei a existência de Satanás. Contra factos, não há argumentos.

Comentários