Uma Reflexão (Forçada)...

Não sei se interpretei corretamente a frase "O olfato é uma vista estranha" e o excerto que a acompanha (aliás, como uma pessoa célebre cujo nome não me recordo disse: "Só sei que nada sei"). Resumidamente, a minha interpretação do excerto foi que, para o narrador, alguns cheiros fazem-no lembrar determinadas épocas da sua vida ou imaginar realidades hipotéticas (associado à transfiguração do real). Se a minha interpretação estiver correta, então concordo com o ponto de vista do narrador.
Nem tudo o que se sucede nas nossas vidas fica na memória, suponho eu por nem tudo nos marcar da mesma forma, nem tudo nos "trazer" sensações fortes. Mas aquilo que nos marca fica na nossa memória de tal maneira que sabemos cada pormenor, não só do que aconteceu, mas do que acontecia à nossa volta (é aqui que entram o olfato, a visão, ...), mesmo que inconscientemente. O cheiro a pão referido pelo narrador é algo que para mim é nostálgico e, ao mesmo tempo, atual. Quando eu era mais novo costumava ir com o meu pai e o meu irmão a pé desde minha casa até ao Palmeiras e passava pelo Pingo Doce de Sassoeiros que tinha (e ainda tem) o tal cheiro a pão acabadinho de fazer que, por alguma razão, me dá a sensação de amor. É atual na medida em que tudo se mantém na mesma, mas a nostalgia deriva do facto de termos perdido esse hábito de passear pelo Palmeiras.
Apesar de alguns cheiros nos remeterem para o passado, creio que não explica na totalidade a expressão "vista estranha". Na minha opinião, nós temos uma tendência para idealizar acontecimentos, mundos ou mesmo realidades, especialmente se tivermos a consciência que tal é impossível. Gostamos de pensar "E se isto fosse de outra forma?". Para tal, imaginamos uma realidade em que estejam presentes vários fatores ideais para nós, entre os quais se encontram cheiros. Quem diz cheiros diz outra coisa qualquer. Por exemplo: há 26 dias, eu tive a oportunidade de abraçar alguém que é especial para mim. Esse abraço despertou uma série de sentimentos e sensações que vieram a dar origem ao poema "Salvação..." cinco dias mais tarde. Esta espécie de poema não é mais do que uma deturpação idealista daquele mesmo abraço que acontecera cinco dias antes.
Concluindo, o ser humano tem uma mente demasiado misteriosa, a meu ver, capaz de transformar algo tão simples e concreto como um cheiro em algo tão complexo e abstrato como uma memória ou um sonho. Talvez alguém consiga explicar como este processo funciona, mas, para ser sincero, prefiro não desvendar este mistério.

Notas:
  • este texto foi escrito para uma avaliação de Português que consistia em comentar o seguinte excerto do "Livro do Desassossego" de Fernando Pessoa: "O olfato é uma vista estranha. Evoca paisagens sentimentais por um desenhar súbito do subconsciente. Tenho sentido isto muitas vezes. Passo numa rua. Não vejo nada, ou antes, olhando tudo, vejo como toda a gente vê. Sei que vou por uma rua e não sei que ela existe com lados feitos de casas diferentes e construídas por gente humana. Passo numa rua. De uma padaria sai um cheiro a pão que nauseia por doce no cheiro dele: e a minha infância ergue-se de determinado bairro distante, e outra padaria me surge daquele reino das fadas que é tudo que se nos morreu. Passo numa rua. Cheira de repente às frutas do tabuleiro inclinado da loja estreita; e a minha breve vida de campo, não sei já quando nem onde, tem árvores ao fim e sossego no meu coração, indiscutivelmente menino. Passo numa rua. Transtorna-me, sem que eu espere, um cheiro aos caixotes do caixoteiro: ó meu Cesário, apareces-me e eu sou enfim feliz porque regressei, pela recordação, à única verdade, que é a literatura.".
  • a "pessoa célebre" a que me refiro é Sócrates.
  • visto que este texto já foi escrito há cerca de 2 meses, os 26 dias a que me refiro são em relação ao momento em que escrevi o texto.
  • estou a publicá-lo porque fiquei bastante satisfeito com o resultado final.
  • tive 15 valores de 20, não porque a minha professora não achasse que o texto não tivesse bom o suficiente para ter mais, mas sim pelo facto de ter ultrapassado a extensão pretendida (sim, perdi 5 valores por ter escrito demasiado).

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