Não Sei que Título Dar a Isto


Enfim, ultimamente tenho tido vontade de escrever e não consigo. Não sei o que escreva. Aqui me encontro, página branca à frente, apenas duas linhas escritas, e sem material para encher as restantes. Podia escrever sobre jogos. Podia. Mas para quê? Não é meu interesse fazer análises. O que tenho feito é escrever sobre jogos como quem conta uma história, melhor, como quem se gaba do carro novo aos colegas. Falado muito e muito bem, mas sem um objetivo, sem um propósito, sem uma razão, sem uma mensagem, sem um tema, sem algo que não seja só porque sim. Podia escrever ficção, mas falta-me a confiança na dedicação para imaginar e tornar vivo algo. Se fosse escrever uma pequena história sentiria que ficara muito por contar, se fosse escrever um livro, não acreditaria que fosse capaz de me dedicar seriamente à coisa, e portanto não me dedicaria seriamente à coisa. Podia escrever sobre temas da atualidade que me interessem ou me digam respeito, mas mais uma vez para quê? Porquê? Não quero escrever para noticiar, nem para sensacionalizar, em suma, não quero ser jornalista. Também não quero escrever opiniões sobre tais temas, não porque não tenha, de facto opiniões, mas porque não tenho confiança nelas. Não tenho a certeza de nada. Sei que por mais absoluta que me pareça uma crença, rapidamente é substituída pela oposta com a mesma intensidade. É a mesma razão pela qual não escrevo filosofia. Só tenho a certeza de estar errado. Também não gosto de escrever sobre mim. Em primeiro lugar, porque sou a pessoa menos qualificada para o fazer, e em segundo, porque sou tímido, apesar de um constante esforço durante a minha vida inteira para contrariar e reprimir esta faceta da minha personalidade. Eu sou o tópico que menos gosto. Não é que não goste de vez em quando de falar sobre mim, mas são raras as ocasiões e ainda mais raras as pessoas com que o faria. Se me perguntarem “O que fizeste hoje?” a resposta será invariavelmente “nada”. Mesmo que esse tenha sido o dia mais preenchido e extraordinário da minha vida. Além disso, sinto que eu não sou tópico que interesse a seja quem for, especialmente um hipotético leitor de algo que escreva. Já ouvi dizer que devia escrever para mim, sem pensar em mostrar ou publicar o que escrevo. Escrever apenas para escrever, ou para desanuviar, desabafar. Ora, não é que não goste de escrever, mas sinto que o que escrevo deve ser mostrado. Mesmo que ninguém o veja, mesmo que seja a pior escrita, está ali, num lugar público, onde qualquer pessoa pode ver. Não consigo escrever só por escrever, na intenção de nunca revelar, porque ao fazê-lo, sentiria que não estava a fazer nada. Uma árvore que caia numa floresta deserta não faz um mínimo ruído que seja. Por outro lado, escrever para meter ordem nas ideias nunca foi algo que me fizesse sentido. Sinto que para isso fico melhor servido no chuveiro. Por isso o que escrevo é para ser público. E bloqueei outra vez. Após escrever todos os motivos para não saber o que escrever, cheguei ao ponto onde não sei o que escrever. Escrevi 479 palavras, diz-me o Word, e ainda não sei o que escrever, não sei onde este texto vai dar, e francamente, não sei se me lembro de onde veio, e o cursor continua a piscar no meu ecrã. Vamos tentar outra vez.
Dou por mim muitas vezes sem saber o que fazer. Por norma estou em frente ao computador. No fundo, não me apetece fazer nada mas também não me apetece fazer coisa nenhuma. Por norma ligo música. Mas só a música não chega, não entretém, continuo sem nada para fazer. Podia jogar um jogo, mas a maioria dos jogos tem um ou dois de três problemas, se não mesmo os três. Um é que me obriga a tirar a música, e isso tem um poder dissuasor que me espanta. Não tenho absolutamente vontade nenhuma de a tirar, mesmo que nem esteja realmente a ouvir, ou a gostar de ouvir, sou como um fumador a pensar deixar o tabaco enquanto enfia três cigarros na boca. O outro, e muito mais significante, é o de a maioria dos jogos me obrigar a jogar no teclado. Não sei explicar bem porquê, mas sinto-me muito mais satisfeito, e tenho sempre muito mais vontade de jogar um jogo que peça apenas o rato. Quando estou a escolher o jogo, uso apenas o rato, e sinto que escolher um jogo que me peça o teclado seria fazer um compromisso, obrigando-me a estar mais investido no jogo, e a tornar ativa uma mão que está em total repouso. Talvez seja a coisa mais preguiçosa que tenha escrito. O terceiro problema, e de longe o maior, é que na grande maioria dos jogos sou passivo, quando preferiria sempre ser ativo. Não no sentido da atividade física, nem no sentido da atividade física ligeiramente mais perversa, mas no sentido de que na maior parte dos jogos estou apenas a receber conteúdo criado por outros, entretenimento já “mastigado”. Não é tão mau como num filme, sempre tenho de carregar em algumas teclas para acontecerem coisas, mas fora uma ou outra exceção, na maioria dos jogos, não estou a fazer nada, não estou a criar nada, estou apenas observando, sendo levado pela estrada que outro pavimentou. Podia ir eu fazer jogos. Podia. Ligava o Unity ou coisa parecida, fazia qualquer coisinha. Mas aí estava limitado por duas coisas. A primeira, é que ideias para jogos e joguitos não me surgem assim, quando estou aborrecido. A segunda é que por melhor que seja a minha ideia, acabo por me deparar sempre com um enorme obstáculo, que é a minha incapacidade de desenhar. Podia fazer jogos de maneira a não precisar de desenhar. Podia, mas nunca me apetece fazer desses, sinto que mais cedo ou mais tarde vou precisar de algo visualmente apelativo, e desmotivo por completo. Podia investir o tempo que passo a olhar para o teto aprendendo a desenhar. Mas aprender uma coisa não é atividade que uma pessoa faz quando está aborrecida. Requer compromisso, dedicação. Não só não é o tipo de compromisso que queira fazer quando estou a contar moscas, eu que já odeio qualquer tipo de compromisso, conhecendo-me, sei que nunca teria a vontade para realmente me investir no assunto. A minha guitarra continua no canto do meu quarto acumulando pó. Para além disso, o meu desinteresse em joguinhos pequeninos, e falta de confiança na minha dedicação para um jogo decente desmotivam-me profundamente. Esgotam-se as possibilidades e eu aqui ainda a olhar para o teto. E enquanto procrastino tudo o que poderia ser, o relógio continua, lenta mais infalivelmente, e se é apenas uma hora ou duas que eu passo a ver os segundos passar, até que venha alguém comigo jogar, quando dou por ela passaram meses e anos, e eu continuo aqui sentado, olhando para o fundo do ambiente de trabalho, sem saber o que fazer.
Podia escrever. Mas não sei o que escreva.
Não sei se vou publicar este texto. Talvez não seja capaz de o publicar já. Mas quando será que serei, se não for já? Quando sentir que já não concordo com o que escrevi? Quando já não gostar disto? Não, para publicar tem de ser já. E daí outra razão para não escrever sem ser para mostrar. Porque não mostrando, sei que voltarei mais tarde a qualquer coisa que escreva, pensarei “que idiotice”, e apagarei o que escrevi sem pensar duas vezes. Torná-lo público torna-me mais difícil fazê-lo.

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